D'Artagnan e os Três Mosqueteiros ...ou como topografar a lesão no nervo abducente |
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Por Frederico Moura 14 de Março de 2018 |
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"Um por todos e todos por um" - imortalizada pelo romance de Alexandre Dumas, esta frase é dita pelos quatro amigos que protagonizam a história. |
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Poucos se lembram do nome dos três mosqueteiros (eu lembro porque era fã da série em desenho animado dos anos 80): Athos, Porthos e Aramis |
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Esse relativo protaganismo do D'Artangnan sobre os outros mosqueteiros me lembrou de uma situação parecida na investigação das paralisias oculares: a relação entre o nervo abucente e o nervo trigêmeo. |
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A paralisia do nervo abducente causa déficit de abdução isoladamente (Foto). Comparado a paralisia do nervo oculomotor (que afeta vários músculos e pupila) e do troclear (que altera a torção e movimento vertical), o exame físico da paralisia do nervo abducente é considerado simples. |
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A paralisia do nervo abducente pode ser isolada ou associada a paralisia de outro nervo da movimentação ocular ou mesmo outro sinal neurológico. |
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Devido à proximidade anatômica entre o nervo abducente (VI nervo craniano - NC) e o trigêmeo (V nervo craniano), não raro os dois nervos são acometidos concomitantemente. |
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Às vezes, o paciente com paralisia do nervo abducente tem acometimento do V nervo que não é detectado e assim simula acometimento isolado do VI NC. Esta situação ocorre quando o paciente não refere (porque não acha importante) ou não percebe a alteração da sensibilidade da face. |
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Por isso, diante de um paciente com paralisia do nervo abducente, é mandatório examinar a função do nervo trigêmeo (ou seja, a sensibilidade ocular e da face). |
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Para faciliar a compreensão, vamos lembrar a anatomia do V e VI nervos cranianos e a relação anatômica entre eles em diferentes localizações. |
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ANATOMIA (Ponta do osso petroso) O nervo trigêmeo emerge do tronco cerebral (nível da ponte) e em seguida se expande para formar o gânglio do nervo trigêmeo (contendo os três ramos - oftálmico, maxilar e mandibular) (Figura esquemática do trigêmeo). |
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Já o nervo abducente emerge do tronco cerebral (transição entre ponte e medula) e sobe em direção ao gânglio do nervo trigêmeo. Os dois nervos acabam se encontrando próximo da ponta do osso petroso (Figura esquemática). Lesões neste local causam paralisia do nervo abducente e acometimento dos três ramos do nervo trigêmeo. A paciente abaixo tem meningioma localizado na ponta do osso petroso direito (Foto) causando déficit de abdução do olho direito e redução da sensibilidade da hemiface direita (ramos oftámico, maxilar e mandibular). |
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(Seio cavernoso) Quando o nervo trigêmeo entra no seio cavernoso (Figura esquemática do trigêmeo), apenas os ramos oftálmico e maxilar estão juntos. O ramo mandibular (como seu nome indica) desce para inervar a região mandibular da face. |
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Assim, paralisia do nervo abducente causada por lesão no seio cavernoso está associada à alteração da sensibilidade da região frontal, periocular e maxilar (regiões inervadas pelos ramos ofálmico e maxilar). O paciente abaixo se queixava de diplopia quando olhava para esquerda associada a parestesia da fronte e maxila (Foto). Diagnóstico final: linfoma não-hodgkins do seio cavernoso esquerdo. |
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(Ápice da órbita) Ao sair do seio cavernoso, o ramo oftálmico segue em direção ao ápice da órbita (Figura esquemática do trigêmeo), enquanto o ramo maxilar desce para inervar a maxila. Lesões que afetam o ápice da órbita (Foto) causam paralisia do nervo abducente associada à alteração da sensibilidade da região frontal e periocular, inclusive diminuição da sensibilidade da córnea (clique aqui para ver no instagram). |
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É fundamental lembrar que nas lesões que acometem seio cavernoso e ápice da órbita, os nervos oculomotor e troclear podem também ser acometidos e assim o déficit motor será maior (mas não é o intuito desta newsletter). Além disso, pode haver perda visual por acometimento do nervo óptico nas lesões que acometem o ápice da órbita. |
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Em resumo: Acometimento do nervo abducente associado a acometimento do trigêmeo: - Três ramos: osso petroso - Dois ramos: seio cavernoso - Um ramo: ápice da órbita |
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Referência: 1. Miller, Neil R.; Newman, Nancy J. Walsh & Hoyt's Clinical Neuro-Ophthalmology, 6th Ed. |
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