Free Your Mind - parte 3 um pouco mais do Efeito Ancoragem |
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Por Frederico Moura 25 de abril de 2018 |
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Nas newsletters iniciais da série "Free Your Mind" (1 e 2), comentei sobre um dos principais vieses cognitivos que nos impede de acertar o diagnóstico das doenças: o viés da ancoragem. Em resumo, é a tendência de supervalorizar nossa primeira impressão ao tomar uma decisão, o que impede de buscar juízos alternativos. Ou seja, você "ancora" naquela idéia e ponto final. |
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Alguns leitores escreveram que já "sofreram" deste viés, mas não por teimosia voluntária como as newsletters prévias colocam. Peço desculpa se a mensagem passada foi a de que a ancoragem seja voluntária (ou seja teimosia). Confesso que não era a intenção pois eu mesmo já sofri deste viés (você pode ver no final desta newsletter) e não foi de forma voluntária. |
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Embora eu faça "mea culpa", quero ressaltar que deixei claro que uma grande fonte do viés de ancoragem é o fato das doenças poderem se apresentar com quadro clínico incompleto e, assim, mimetizar outra doença. Ou seja, não acho que a teimosia voluntária é a causa do viés. Na verdade, acho que é uma "pegadinha" da doença. |
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Além do quadro incompleto, a presença de um "intruso clínico" é tambem uma grande fonte de erro diagnóstico por viés de ancoragem. Neste casos, em vez de faltar, sobra peças no quebra-cabeça. |
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A tríade ptose + anisocoria + oftalmoplegia é uma grande fonte de confusão diagnóstica devido a inúmeras combinações clínicas possíveis. Vejamos outro exemplo (além dos mostrados nas newsletters "free your mind" 1 e 2). |
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Paciente, de 73 anos, com ptose palpebral bilateral há mais de 6 meses. Estava com a cirurgia para correção da ptose programada, mas foi suspensa devido ao aparecimento de diplopia. Investigação prévia para paralisias oculares e miastenia gravis foi negativa (inclusive angioressonância magnética e anticorpo anti-receptor de acetilcolina). Veio encaminhado para avaliação neuroftalmologica. |
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Vou apresentar os dados relevantes do nosso exame. Como você pode ver (Foto), a ptose da palpebra esquerda era praticamente completa, e da direita era parcial. Ainda na anamnese, questionei se ele estava com diplopia naquele momento, e ele respondeu que sim. Ou seja, a diplopia era monocular já que o olho esquerdo estava ocluído. |
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Pupilas eram isocóricas e apresentavam respostas normais a luz (Foto) e no escuro. |
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Movimento ocular não mostrou restrições, inclusive na elevação dos olhos (na paralisia do III nervo craniano, a ptose está associada a déficit de elevação) (Foto). Cover test alternado não revelou desvio. Esses achados juntamente com a informação da diplopia monocular sugere que a visão dupla não é causada por estrabismo, mas por problema ocular. |
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Outro importante dado semiológico na foto acima é o sulco palpebral alto que sugere desinserção do tendão do músculo elevador da palpebra superior (MEPS). A função do MEPS foi normal (10mm-seta vermelha) (Foto), o que confirma a causa da ptose palpebral: desinserção do tendão do MEPS (ou ptose involucional). |
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A causa da diplopia monocular era catarata. Com a máscara pinhole, a "diplopia" melhorou. |
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Resumindo, ptose palpebral involucional (secundária a desinserção do TMEPS) associada a diplopia monocular causada por catarata. A diplopia monocular era o "intruso" clínico. Prato cheio para o viés de ancoragem! Free Your Mind! |
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Referências - Miller, Neil R.; Newman, Nancy J. Walsh & Hoyt's Clinical Neuro-Ophthalmology, 6th Edition
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"Um passo a frente e você não está mais no mesmo lugar" Chico Science (1996) |
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