Oclusão da Artéria Central da Retina e AVC: até onde vai esta relação? |
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Por Frederico Moura 05 de Maio de 2019 |
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Antes que alguém diga que eu virei a casaca e agora sou retinólogo, já vou dizendo: aqui é neuroftalmo até a morte! |
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Na verdade, faz parte do conhecimento básico da neuroftalmologia saber retina clínica para fazer um diagnóstico diferencial adequado. Por exemplo, há poucas semanas atendi um paciente com suspeita de neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA) que na verdade tinha oclusão de artéria central da retina (OACR). |
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A escolha deste tema não foi baseada apenas por haver semelhanças clínicas entre neuropatia óptica isquêmica e OACR (por exemplo, perda visual aguda e indolor). A principal razão foi a publicação de um artigo em dezembro de 2018 (Ref. 02) que avaliou o risco de acidente vascular cerebral (AVC) nos pacientes com OACR. No artigo, os autores concluem que "pacientes com OACR estão em risco significativo de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares no futuro e muitas vezes têm fatores de risco não diagnosticados que podem ser modificados" e concluem que "nosso estudo mostra claramente que a OACR é equivalente a um AVC e, do ponto de vista da modificação do risco, é apropriado que os pacientes sejam rapidamente submetidos à avaliação de fatores de risco". |
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Os leitores do Monday News tiveram conhecimento deste artigo em agosto 2018, na ocasião da publicação online deste artigo. Na época, diante desta conclusão, eu já imaginei que o artigo seria seguido de grande discussão e, por isso, estou escrevendo sobre ele. |
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No artigo (Ref. 02), foram estudados 103 pacientes com OACR. Destes, 66% realizaram ressonância magnética (RM), dos quais 37% tinha achados de AVC. Os autores (Lavin e cols) ressaltam que este resultado é maior do que os achados após ataque isquêmico transitório (AIT). Ao avaliar a incidência de óbito, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou AVC, 32% dos pacientes com OACR teve um ou mais destes eventos. |
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Estes resultados levaram os autores às conclusões já descritas acima. Em resumo, OACR deve ser encarado de forma equivalente a um AVC e o paciente deve ser encaminhado rapidamente para um centro especializado em tratamento de doença vascular cerebral. |
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Antes de continuar, vou fazer uma colocação que poucos sabem. Sohan Singh Hayreh (conhecido como Hayreh apenas) é visto como o principal estudioso das doenças vasculares que afetam os olhos, inclusive OACR e NOIA. Entretanto, o capítulo sobre NOIA do livro do Hoyt (o livro-texto mais importante sobre Neuroftalmologia - Ref. 01) foi escrito por outra pessoa - Antony Arnold. Não raro, Hayreh é protagonista de grandes discussões sobre doenças vasculares que acometem os olhos. Você pode ver uma destas discussões clicando aqui. Não foi diferente com este artigo. |
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No mesmo exemplar onde foi publicado o artigo que estamos discutindo, Hayreh escreveu (Ref. 04) sua opinião sobre este assunto. Para ele, a relação entre OACR e AVC é conhecida mas ainda muito controversa. Ele cita vários artigos onde a incidência de AVC em pacientes com OACR foi mais baixa do que a do trabalho de Lavin e cols. Ele enfatiza que há uma confusão entre os conceitos amaurose fugaz e AIT. Além disso, sabendo que tanto AVC como OACR são causados por evento embólico, Hayreh afirma que "do ponto de vista do manejo imediato e racional dos pacientes com OACR e as complicações associadas como AVC/AIT e infartos silenciosos, a ação crucial que importa é determinar a a causa da oclusão da artéria retiniana (ou seja a fonte do embolismo) e tratá-la para evitar mais episódios". Para Hayreh, isto evitaria uma investigação neurológica cara e desnecessária e seria mais eficaz na prevenção de outros eventos vasculares. Vale ressaltar que essa argumentação é válida para os pacientes com OACR sem sintomas neurológicos. |
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Também no mesmo exemplar de dezembro de 2018 do periódico American Journal of Ophthalmology, Anthony Arnold escreveu um editorial (Ref. 05) que avalia ambos os artigos: o de Lavin e cols (ref. 2) e o ponto de vista de Hayreh (ref. 4). Primeiro, Arnold diz que atualmente a isquemia de retina já é considerada um AIT. Segundo, que o risco de AVC no paciente com OACR é menor do que após AIT, mas mesmo assim é alto Terceiro, sobre o quão rápido deve ser a avaliação do paciente com OACR sem sintomas neurológicos, Arnold lembra que Hayreh afirmou que não via necessidade destes pacientes serem avaliados de forma similar aos pacientes com AVC. Arnold chama a atenção para o fato que os pacientes avaliados por Hayreh vinham da sua clinica oftalmológica e que diferem de pacientes de outros estudos que são provenientes de hospitais e que podem até ter sintomas neurológicos concomitantes (que podem não ser percebido pelo Oftalmologista). Para Arnold, "uma avaliação urgente é necessária nestes casos para caracterizar essas diferenças (de grau de acometimento) e identificar os pacientes mais gravemente envolvidos imediatamente, porque eles estão em maior risco de novos eventos dentro de 24-72 horas". |
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Arnold justifica esta ação, dizendo "atualmente existem tratamentos na fase aguda que podem reduzir o risco de AVC e eventos cardíacos subsequentes, e que devem ser instituídos imediatamente". Ele complementa de forma incisa contra a opinião de Hayreh: "A abordagem de Hayreh - que tem sido um padrão para a maioria dos oftalmologistas nos últimos anos - para prevenir eventos vasculares futuros, deixa algumas lacunas não observadas: ele não especifica quão rapidamente foi capaz de obter resultados de sua avaliação “imediata”, mas o atraso de vários dias para obter avaliações carotídeas e cardíacas em um ambiente ambulatorial não é incomum e pode muito bem resultar em oportunidades perdidas de evitar eventos isquêmicos adicionais". |
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Arnold continua: "Mais importante ainda é que Hayreh argumenta contra a necessidade de exames de ressonância magnética aguda por Difusão, que podem identificar os pacientes em risco de um evento vascular subsequente em 24-72 horas. O paradigma para o tratamento da isquemia retiniana aguda, transitória ou permanente, mudou. Oftalmologistas que atendem pacientes com OACR devem reconhecer e instituir estas mudanças". |
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Tenho muito respeito pela opinião do Hayreh (e mesmo que não tivesse tenho certeza que não faria diferença para a vida dele). Mas para mim fica claro que devemos seguir a orientação de Lavin et al. A medicina evolui bastante na prevenção das doenças cardiovasculares e cerebrovasculares e uma das razões foi o diagnóstico precoce. |
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Referências - Walsh and Hoyt´s Clinical Neuro-Ophthalmology. 2005. 6ª edition
- Lavin P et al. Stroke Risk and Risk Factors in Patients With Central Retinal Artery Occlusion. Am J Ophthalmol. 2018 Dec;196:96-100. Link PUBMED
- Hayreh SS. Diabetic papillopathy and nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. Surv Ophthalmol. 2002 Nov-Dec;47(6):600-2 Link PUBMED
- Hayreh SS. Do Patients With Retinal Artery Occlusion Need Urgent Neurologic Evaluation? Am J Ophthalmol. 2018 Dec;196:53-56. Link PUBMED
- Arnold AC. Urgent Evaluation of the Patient With Acute Central Retinal Artery Occlusion. Am J Ophthalmol. 2018 Dec;196:xvi-xvii. Link PUBMED
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