Paralisias Oculares Associadas ao Tronco Cerebral |
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Por Frederico Moura 22 de novembro de 2017 |
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As paralisias oculares estão, juntamente com as neuropatias ópticas, entre os problemas mais frequentes de um serviço de neuroftalmologia. |
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Muitas vezes, determinamos corretamente o diagnóstico sindrômico das paralisias oculares (por exemplo, paralisia de III ou VI nervo craniano), mas não determinamos adequadamente o diagnóstico anatômico, ou seja a localização da lesão dentro do sistema motor ocular. |
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O sistema responsável pelo movimento ocular é dividido em: - supranuclear: são as estruturas que ficam acima do tronco cerebral como o cérebro e o tálamo;
- Nuclear e internuclear: estruturas localizadas principalmente no tronco cerebral;
- Infranuclear: são os próprios nervos motores (oculomotor, troclear e abducente) ao sair do tronco cerebral. Vale ressaltar que o longo trajeto destes nervos entre o tronco cerebral até os músculos oculares na órbita permite uma grande variação clínica.
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Nesta newsletter, abordaremos as paralisias oculares associados às lesões do tronco cerebral. O rápido reconhecimento da localização destas paralisias é fundamental para o prognóstico neurológico destes paciente. |
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O tronco cerebral se divide em mesencéfalo, ponte e bulbo (Figura). |
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I. Mesencéfalo Núcleo do III nervo craniano (oculomotor) No mesencéfalo, encontramos o complexo nuclear do III nervo craniano (NC) formado pelos subnúcleos que inervam os músculos reto superior (RS), reto medial (RM), reto inferior (RI), obliquo inferior (OI), elevador da palpebra superior (EPS) e o subnúcleo responsável pela inervação parassimpática da pupila (conhecido como núcleo de Edinger-Westphal). No complexo nuclear do III NC, existem duas características anatômicas especias: (1) os músculos EPS de ambos os lados são inervados por um mesmo subnúcleo; e (2) os fascículos dos subnúcleos do RS cruzam a linha média e inervam o músculo contralateral. Devido a esta divisão em subnúcleos e estas duas características especiais, o acometimento do núcleo do III NC pode se apresentar de formas variadas como (a) paralisia unilateral do III NC com paresia do RS contralateral, ou (b) ptose palpebral bilateral isolada. |
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O paciente abaixo apresenta paralisia nuclear do III NC secundária a traumatismo. Observe a ptose palpebral bilateral (mesmo com contração do músculo frontal). Elevação, adução, abaixamento e reflexo pupilar estão normais. Ressonância magnética (RM) mostra alteração do sinal a nível do aqueduto cerebral (região mais posterior do mesencéfalo e onde se localiza o subnúcleo dos EPS). |
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Já outras apresentações são mais raras no acometimento do núcleo do III NC: (1) paralisia unilateral do III com função normal do reto superior contralateral; (2) ptose palpebral unilateral; e (3) oftamoplegia interna unilateral. |
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O acometimento do fascículo do III NC causa paralisia unilateral das estruturas musculares ja mencionadas associada síndromes neurológicas (como Weber, Benedikt, Claude e Nothnagel) de acordo com o nível do fascículo acometido. |
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Outra característica do acometimento do mesencéfalo é paralisia do olhar vertical. As estruturas/regiões envolvidas são: (a) núcleo do IV NC (ou troclear); (b) mesencéfalo dorsal; e (c) núcleo rostral do fascículo longitudinal medial. |
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Núcleo do nervo troclear O núcleo do IV NC fica na região posterior do mesencéfalo (e abaixo do subnúcleo do EPS). O fasciculo decussa e inerva o musculo oblíquo superior contralateral. Por ser muito curto, o quadro clínico do acometimento do fascículo é similar ao do núcleo. O acometimento do núcleo do IV NC pode ser isolado ou associado a outros sinais como ptose palpebral bilateral (Figura), síndrome de Horner e oftalmoplegia internuclear. |
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O paciente é o mesmo mostrado acima na paralisia do núcleo do III NC. Além de ptose palpebral bilateral, o paciente se queixava de diplopia vertical. O exame mostrou sinais de acometimento bilateral dos nucleos do IV NC: hipofunção dos músculos oblíquos superiores e exciclotorção (observe a elevação dos discos ópticos em relação à fóvea). |
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Vale ressaltar que a paralisia congênita é a causa mais frequente do acometimento do IV NC, enquanto que uma parcela menor é associada com lesões adquiridas de tronco cerebral. Quantificar a amplitude de fusão vertical é fundamental para diferenciar a paralisia congênita da adquirida. |
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Mesencefalo dorsal O mesencefalo dorsal (ou comissura posterior) contém estruturas responsáveis pelo movimento vertical e horizontal, convergência e dinâmica pupilar. O acometimento desta região é conhecida como síndrome de Parinaud (ou do mesencéfalo dorsal) e causa um quadro clinico composto por: - Paralisia do olhar conjugado vertical, em especial para cima
- Nistagmo convergência-retração
- Espasmo de convergência
- Pseudo-paralisia do nervo abducente (no olhar conjugado horizontal, a abdução é lenta devido ao espasmo de convergência)
- Reflexo pupilar mostrando dissociação luz-perto
- Retração palpebral
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Tumores (em especial da glândula pineal) e infarto (ou hemorragia) do mesencéfalo e tálamo são as principais etiologias da síndrome de Parinaud. |
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O paciente abaixo tem disgerminoma da glândula pineal associado a síndrome de Parinaud. Na foto, você pode observar a pseudo-paralisia de abdução do olho direito e dificuldade de olhar para cima associada a retração palpebral. |
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Nucleo rostral do fasciculo longitudinal medial O núcleo rostral do fascículo longitudinal medial (FLMnr) é responsável pelo controle das sacadas verticais e torcionais (assim como a formação reticular pontina paramediana é para o olhar conjugado horizontal-discutido abaixo). Lesões no FLMnr causam paralisia do olhar conjugado vertical, principalmente do olhar para baixo (oposta à síndrome de Parinaud-discutida acima). Infarto do mesencéfalo ou do tálamo é a causa mais comum. |
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Desvio skew Desvio skew é um tipo de desvio ocular vertical associado a lesões do tronco cerebral. Normalmente, ele é pouco aparente pois o desvio é pequeno e comitante na maioria dos casos. Entretanto, os pacientes com desvio skew são bem sintomáticos. O diagnostico diferencial é com paresia do músculo oblíquo superior ou inferior. |
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Desvio skew não é uma condição tão rara quanto você deve imaginar, mas é de difícil reconhecimento. O quadro típico é o paciente que procura o oftalmologista após algum problema neurológico (normalmente, acidente vascular cerebral (AVC)), com leve ou nenhuma sequela neurológica, mas se queixa de "embaçamento visual". Esta queixa é devido ao pequeno desvio vertical que produz uma imagem fantasma (embaçamento) em vez de duplicá-la (diplopia). Nestes casos, a melhora do embaçamento com a oclusão de um dos olhos ou com prisma é fortemente sugestiva do desvio skew. |
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Paciente abaixo mostra isso: homem, 45 anos, com AVC isquêmico do mesenséfalo. Evoluiu sem sequelas neurológicas. Foi encaminhado por queixa de "desconforto" visual principalmente na leitura para perto. Tinha posição viciosa de cabeça: leve inclinação para esquerda. O exame de motilidade ocular mostrou desvio vertical (D/E 3 dioptrias) associado a inciclotorção do olho direito e exciclotorção do esquerdo (Figura). |
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II. Ponte As estruturas que comandam o olhar conjugado horizontal se localizam na ponte: (a) formação reticular pontina paramediana (FRPP); (b) núcleo do nervo abducente; e (c) fasciculo longitudinal medial (FLM). |
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FRPP é o centro do olhar conjugado lateral e projeta neurônios excitatórios para o núcleo do VI NC. Ja o núcleo do VI NC possue dois tipos de neurônios: (a) os que inervam o músculo RL ipsilateral; e (b) os que cruzam a linha média e sobem pelo FLM até atingir o subnúcleo do musculo RM (no complexo nuclear do III NC, no mesencefalo). Ambos se localizam na transição bulbo-pontina. |
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Tanto o acometimento da FRPP como do núcleo do VI NC causam paralisia do olhar conjugado horizontal. Este fato é fonte comum de confusão tendo em vista que a primeira impressão é que o acometimento do núcleo do VI NC causará apenas déficit de abdução. Isto ocorre devido à íntima relação anatômica entre os dois grupos de neurônios presentes no núcleo do VI NC que impossiblita o acometimento isolado dos neurônios que inervam o músculo RL, sem acometimento dos neurônios para o subnúcleo do RM. |
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A paciente abaixo tem paralisia do olhar conjugado horizontal bilateral devido à esclerose multipla. Na RM, você vê que a lesão acomete a transição bulbo-pontina (Foto) |
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O acometimento do núcleo do VI NC causa alteração de todos os movimentos horizontais: sacada, seguimento, reflexos optocinético e vestibulo-ocular. Já a lesão na FRPP afeta a sacada, mas poupa os outros tipos de movimento. Na prática, a maioria das lesões acabam afetando as duas estruturas. |
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Na ponte, encontramos tambem o fasciculo do VI NC. O acometimento deste causa paralisia ipsilateral de abdução associada a sinais neurológicos como hemiparesia contralateral, paralisia facial e síndrome de Horner |
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A terceira estrutura pontina associada ao olhar conjugado horizontal é o FLM. Lesões nesta estrutura causam a bem conhecida oftalmoplegia internuclear (OIN) que se caracteriza por ausência de adução ipsilateral no olhar conjugado horizontal (Figura) associada a nistagmo do olho em abdução. Este paciente tem queixa de diplopia e oscilopsia (devido ao nistagmo) no olhar para o lado contralateral a lesão. |
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Sobre o nistagmo, a explicação mais aceita é que este decorre do esforco feito pelo sistema motor ocular para aduzir o olho parético. Isto causa um estímulo exagerado para abdução, e consequentemente, movimentos repetidos que simulam nistagmo. |
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Na OIN, o olho acometido apresenta adução mais lenta do que abdução. Esse sinal é importante nos casos leves, que o olho acometido aduz parcialmente e a OIN pode nao ser reconhecida. O paciente abaixo tem leve OIN a direita (Foto). |
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Nestes casos, a presença de adução mais lenta do que abdução e do nistagmo do olho abduzido ajudaram no diagnóstico. No vídeo, você consegue ver estes dois sinais clínicos. |
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Não estranhe se o paciente com OIN se queixar de diplopia vertical ou obliqua. Isto é devido ao desvio skew (ja comentado) que comumente está associado à OIN. |
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As etiologias associadas a OIN são principalmente infartos do tronco (OIN unilateral) e esclerose multipla (OIN bilateral). WEBINO é o termo que se usa para descrever o paciente com OIN bilateral: wall-eyed bilateral internuclear ophthalmoplegia. |
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Na OIN, a adução associada a convergência está preservada. Este fato ajuda no diagnóstico diferencial do acometimento do músculo RM. A paciente abaixo tem OIN bilateral secundária à esclerose múltipla. Veja que a adução do olhar conjugado está abolida bilateralmente, entretanto a da convergência está presente (Foto). |
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Além disso, o paciente com OIN pode se queixar de diplopia vertical e oblíqua (como comentado acima). Fique atento a estas queixas, pois podem ser menosprezadas durante uma anamnese sumária. |
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III. Bulbo No bulbo, localizam-se várias estruturas importantes para o controle motor ocular. Entre elas, estão os núcleos vestibulares, núcleos perihipoglossais e núcleo olivar inferior. Estas estruturas estão conectadas como os canais semi-circulares, como outras estruturas do tronco cerebral e com o cerebelo. |
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Estas estruturas tem papel importante na manutenção da posição do olho durante o olhar horizontal e vertical. As lesões destas estruturas produzem principalmente nistagmos e distúrbios vestibulares; oftalmoplegia não é comum. Desvio skew e ocular tilt reaction (desvio ocular torcional associado a posicão de cabeçaa) ocorrem também nas lesões de bulbo. |
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Em resumo, o reconhecimento precoce das paralisias oculares do tronco cerebral é fundamental para o prognóstico neurológico. Lesões do mesencéfalo causam oftalmoplegia vertical, enquanto na ponte causam oftalmoplegia horizontal. |
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Referências - Miller, Neil R.; Newman, Nancy J. Walsh & Hoyt's Clinical Neuro-Ophthalmology, 6th Edition, 2005
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- Zee DS et al. Abduction nystagmus in internuclear ophthalmoplegia. Ann Neurol. 1987;21:383–388. Link PUBMED
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